A IMPREVISIBILIDADE AFETA A SAÚDE MENTAL





A psicoterapia é um tratamento psicológico que trata os sintomas e os problemas emocionais que afetam a vida do paciente. Para uma maior eficiência na resolução dos conflitos a causa é o alvo e não apenas o alívio dos sintomas com paliativos.

Os traumas psicológicos são impactantes para o psiquismo, geram bloqueios, sofrimento e uma grande demanda de energia da pessoa para mantê-lo parcialmente reprimido. Conhecer as causas dos traumas permitem avanços no conhecimento, saber o que não se deve fazer na conquista de uma boa saúde mental.

A observação e análise de duas cenas de filmes ilustram melhor a questão.    

Primeira cena: depois de uma discussão com alguém da família, o personagem pega um vaso de cerâmica, com uma linda planta, que está num nicho da cozinha e atira ao chão. O vaso despedaça e a planta fica totalmente desprotegida. Quem assiste fica com bastante raiva e comenta:

⸺ Que absurdo o vaso de cerâmica, não tinha culpa de nada e foi destruído! Isso não faz nenhum sentido!

Quem assistiu a cena se identificou com o vaso e “sentiu” a dor dele. Para um espectador, a cena pode ser insignificante, para outro, perturbador. Por quê? Quem sofreu com o fato e ficou atônito teve seus conflitos psicológicos mobilizados pelo estímulo da cena. Isso acontece o tempo todo, apenas as pessoas não percebem, porque isso ocorre de modo inconsciente.

Segunda cena: um personagem chega do trabalho irritado, vai direto para o quarto e, ao entrar, puxa com força o lençol esticado na cama, o embola todo na mão e joga, de modo abrupto, num canto do quarto. O espectador da cena fica chocado:

⸺ Fiquei indignado, o lençol estava organizado na cama, na posição dele e chega um descompensado e o desorganiza! Senti uma angústia e uma raiva neste momento.

Aqui, o espectador se identificou com “o sofrimento” do lençol. O impacto da cena diz sobre ELE e não sobre o lençol. Apenas não sabe disso. A psicoterapia irá fazer as ligações entre os estímulos conscientes com os conflitos inconscientes que traumatizaram o paciente.

Em síntese, estes sentimentos podem ser motivados por filmes, revistas, fofocas e, principalmente, pelos fatos do cotidiano.

Essas reações falam, depois de bem analisadas, sobre os problemas sofridos por relações com figuras importantes na infância, como pai, mãe ou cuidadores muito imprevisíveis. Não se sabia o que esperar daquela pessoa.

Pode falar, por exemplo, sobre a relação com pais alcóolatras onde a criança não previa como aquele cuidador chegaria em casa. Pode, também, acontecer com aqueles que prometem muitas coisas, mas não cumprem, enfim, todas causas possíveis, entre outras, que provocam um estado prolongado, na vida da criança, de imprevisibilidade que causam tensão, ansiedade e medo.

Comumente, a criança quando se torna adulta estabelece relações igualmente imprevisíveis prolongando, ainda mais, o sofrimento vivido e referenciado na infância onde se estabeleceu o padrão de relacionamento afetivo adoecido.

A inconsciência desta repetição traumática, deixou o paciente “enroscado” no mesmo padrão de relação que o afetou, não importa a pessoa com quem se relaciona, seja amigo, chefe, companheiro, parceiro, o padrão de instabilidade estará presente.

Entender as causas para tratar seriamente os conflitos que comprometem a vida social, afetiva, emocional dessa pessoa não significa, de modo algum, culpar os pais, mesmo porque não há culpados neste processo. Existem pessoas que fizeram o que podiam, com os conhecimentos e vivências que também experimentaram em suas relações. Achar culpados não gera transformação. A mudança acontece quando alguém da família se trata e interrompe a repetição do padrão.

O sentimento de raiva, indignação é muito comum nestes casos porque a relação está desigual, um tem mais força ou mais poder que a outra parte envolvida que, atônita, impotente não consegue se defender. Não é por acaso que os estímulos: vasos de cerâmica e lençol foram “selecionados” pelo psiquismo, eles simbolizam a impossibilidade de se defender.

Tudo isso diz sobre ele próprio. Ao se tratar se “desenrosca” deste padrão de relacionamento afetivo instável e agora pode estabelecer relações mais saudáveis. A repetição é um alerta do problema, entretanto, normalmente ignorado.


Adriana Alves de Lima
Psicóloga