O psiquismo, o eu, está constantemente submetido à várias tensões, de diferentes graus de intensidade. Sentir sede é um tipo de tensão, que cria desprazer e exige uma resolução. Obter aprovação numa matéria difícil da faculdade, é outro tipo de tensão, mas como não é uma necessidade vital, alguns podem desistir do curso. Outros, na mesma situação podem se esforçar para obter os conhecimentos exigidos e diplomar-se. Importa saber que, diante das tensões, o psiquismo se mobiliza para dar conta das exigências, e, para isso, convoca os recursos mentais disponíveis, de acordo com a estruturação psicológica de cada um. A questão que se impõe é: como adquirir os recursos mentais mais eficazes e saudáveis, que favoreçam a resolução de problemas, inclusive os da saúde mental.
As tensões exigentes de resolução são constantes e o desenvolvimento psicológico também. Entretanto há fases da existência que são estruturantes básicos da mente, e, se tudo correr bem, o indivíduo pode ter uma evolução regular em sua complexidade psíquica. Uma etapa muito importante para o desenvolvimento psíquico ocorre dos 4 aos 6 anos, chamada Complexo de Édipo. Nesta fase a criança procura resolver conflitos relacionados com a diferença entre os sexos. A menina quer o pai apenas para ela, no sentido afetivo ou amoroso. Quer fazer um “par” com o pai, pois quer sua atenção, seu afeto, inteiramente para ela, sendo natural que, por isso, passe a ver a mãe como rival desse amor. Com o menino o processo é o mesmo e só mudam as posições. Ele quer fazer um “par” com a mãe e para isso rivaliza com o pai. É a fase em que as crianças querem dormir na cama dos pais, no meio deles ou ao lado do amor preferido. Elas apresentam curiosidade para saber o que eles fazem no quarto, querem saber o que os meninos têm de diferente das meninas, etc.
Ao final desta fase, se a posição dos pais for sustentada adequadamente, a criança entende que o único par possível já está formado pelos pais, e que as funções maternas e paternas se completam. Diante desta percepção, as crianças que completam bem esta travessia, aceitam o fato, elaboram suas angústias, desistem de “fazer par” com os pais. Essa resolução lhes permite deslocar afetos para irmãos, primos, namorado ou quaisquer outras pessoas no futuro do adulto. Por vários fatores, esta importante fase pode não ser bem-sucedida, ora por se gratificar ou por se repreender demais os instintos das crianças. O recorte de uma observação do cotidiano contribui para a análise do assunto.
Num churrasco, na casa de uma criança de cinco anos, ela se aproxima de uma mesa onde há adultos, inclusive seu pai, e exibe que passou o batom bem vermelho de sua mãe. Todos acham ela linda, uma gracinha e elogiam demais a menina. Em seguida ela volta com as bochechas também pintadas de vermelho e todos comemoram. Entusiasmadamente, alguns tiram fotos, a mãe dela justifica que não pintou as unhas da menina porque não teve tempo... Em seguida, a criança aparece com um sapato de salto alto da mãe e todos até batem palmas. Ela já não cabe em si, tendo virado uma caricatura de criança, mas o centro das atenções. Sua madrinha, de modo inoportuno até pergunta a ela: “você já tem namoradinho”? Neste momento o pai, percebendo que aquele apoio irresponsável dos adultos havia entusiasmado demais a criança, interveio, e mesmo sob protesto dos outros, disse com firmeza: “Agora já chega menininha! Todos nós já vimos o quanto você é bonita, por isso trate de tirar todas estas pinturas do rosto e esse sapato de salto e vá brincar com as outras crianças no pula-pula que nós compramos para você”.
A intervenção do pai foi “na medida certa”, pois nem destruiu a confiança da criança em sua capacidade de chamar a atenção, nem reforçou a erotização precoce como todos os outros, inclusive a mãe, fizeram. O corte da exibição de precocidade, da criança, poderia ter ocorrido antes de chegar no sapato de salto alto, mas certamente o pai ficou intimidado diante do esforço dos outros adultos, comungados na tarefa de reproduzir o incentivo à erotização infantil, estimulado culturalmente para atender apenas aos interesses econômicos. Ninguém percebeu que a criança é estimulada para ser apenas objeto de consumo e consumidora. O pai, bem lúcido e inteligente, foi o único que estabeleceu limites realistas à filha, chamando-a para sua real condição de criança, tanto na estruturação biológica quanto psicológica. Ele não permitiu que o seu desenvolvimento natural e saudável fosse submetido a tensões alienantes, inadequadas e artificiais, capazes de levar a uma busca pelo prazer numa erotização para o qual ela ainda não estruturou recursos físicos e psíquicos suficientes. O resultado seria traumatizá-la no seu desenvolvimento psicológico.
Adriana Alves de Lima
Psicóloga Clínica e Hospitalar